Editorial 13ª edição
O homem está condenado a ser livre, disse Jean-Paul Sartre. O paradoxo da frase do filósofo provoca-nos a olhar para a questão da liberdade, crucial em todos os aspectos da vida humana, sem a displicência do senso comum. Quais são as relações entre livre-arbítrio e responsabilidade? É possível exercer a liberdade individual sem restringir a liberdade dos outros? Qual o papel da arte na percepção e no aprofundamento dessas reflexões?
Convidamos o público a mergulhar na programação do 13º Festival de Música Erudita do Espírito Santo que tem como temática central a liberdade.
Como abertura desta edição, teremos uma nova estreia do Núcleo de Criação de Ópera – A profissão da senhora Warren – inspirada na peça homônima de Bernard Shaw, com música de Mauricio De Bonis e libreto assinado por mim, Eliane Coelho, o próprio De Bonis e Gabriel Rhein-Schirato. O espetáculo terá a regência de Schirato à frente da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo, e elenco formado pelas sopranos Eliane Coelho, Carla Cottini, o barítono Idaías Souto, e os tenores Mauro Wrona, Paulo Mandarino e Rafael Stein.
A ópera gira em torno de conflitos entre a Sra. Warren e sua filha Vivie, e aborda problemáticas bastante atuais como a relação entre ideologia e conflitos de classe, questões de gênero no mundo dos negócios e nas relações familiares, e relações entre livre-arbítrio e liberdade no mundo contemporâneo.
Nos finais de semana seguintes, o Festival apresenta uma série de cinco concertos de câmara com curadoria da professora e pesquisadora Yara Caznok, que explora, com delicadeza e profundidade, questões acerca da liberdade dentro do próprio processo de composição musical e do universo da criação artística. Os concertos contam com uma forte presença de talentos do Espírito Santo como a violinista Jacqueline Lima, o fagotista Deyvisson Vasconcellos e o pianista Willian Lizardo, que será uma espécie de cicerone da série, ao abrir os concertos com peças para piano solo. A série conta também com três grandes nomes paulistas, a mezzo-soprano Denise de Freitas e os pianistas Fabio Bezuti e Lidia Bazarian.
Nesta 13ª edição, celebramos a continuidade da parceria com a Shell e com a OSES e, também, a crescente procura pelo VOE (Vitória Ópera Estúdio), pelo Opera-cional e pelo Concurso de Canto Natércia Lopes, iniciativas de fomento à ópera e formação de artistas e técnicos, realizadas pelo Festival.
Realizado em julho de 2025, o 6º VOE contou com participantes das cinco regiões do Brasil nos quatro módulos oferecidos pelo programa – interpretação musical e cênica, regência, correpetição e direção cênica. Como conclusão do processo, os alunos apresentaram o espetáculo La Molinara, de Giovanni Paisiello, dirigido pelo encenador italiano Marco Gandini.
A 13ª edição traz novidades também nos projetos Ópera nos Bairros e Concertos Itinerantes, iniciativas do Festival voltadas para comunidades e setores da sociedade que têm pouco ou nenhum acesso à salas de espetáculo e centros culturais. O Ópera nos Bairros apresentará Filhote de Trem, um espetáculo cênico-musical inspirado na obra homônima da escritora paulista Memélia de Carvalho, com música de Heitor Villa-Lobos, Carlos Gomes e Chiquinha Gonzaga. Pela primeira vez o projeto circulará com uma obra criada dentro do âmbito do Festival, por artistas do Espírito Santo – o violonista e maestro Belchior Guerrero e a diretora cênica Tamara Lopes. O elenco traz nomes conhecidos do público capixaba – a soprano Isabella Luchi, o percussionista Gabriel Novais e o violoncelista Jonathan Azevedo.
O Concertos Itinerantes apresentará, em diferentes cidades do estado, um programa para voz, piano e clarinete de compositores e compositoras do século XX, entre eles os brasileiros Heitor Villa-Lobos, Gilberto Mendes e a sueca Kaija Saariaho.
O Festival irá realizar, ainda, um concerto no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, no mês de outubro. O evento faz parte de uma ação conjunta da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo, Série Interestadual, e do projeto Concertos Itinerantes. O programa traz obras do russo Dmitri Shostakovich e das brasileiras Lina Pires de Campos e Cibelle Donza, e será regido pelo maestro Helder Trefzger.
O concerto de encerramento do Festival contará com a participação da OSES e dos vencedores do 4º Concurso de Canto Natércia Lopes, novamente sob a regência do maestro Trefzger.
Um ótimo Festival a todos!
Livia Sabag, diretora artística
Curadoria concertos de câmara
A ideia de liberdade nos acompanha desde os primórdios, e as tensões inerentes a ela, que oscilam entre o desejo do ilimitado e o imperativo do limite, se fazem hoje, mais do que nunca, uma urgência a ser refletida. Presentes em todos os campos do saber humano, as múltiplas concepções de liberdade revelam diferentes relações entre o homem e a natureza, suas cosmogonias, suas formas de ser e de estar em sociedade, seus anseios de realização histórico-existencial.
Ao elegê-la como tema deste ano, o 13º Festival de Música Erudita do Espírito Santo assume que a arte é uma das esferas privilegiadas para a emergência e a tomada de consciência das inúmeras camadas que compõem a experiência humana da liberdade, seja como utopia ou como prática. Ancorada na crença de que as reverberações provocadas pelos eventos podem intensificar essas reflexões, os concertos de câmara propõem o desnudamento do embate entre energias libertárias e forças restritivas que, apesar de soarem como opostas, são complementares, pois constituem-se reciprocamente e são um dos mais dinâmicos propulsores da criação artística.
O diálogo entre gêneros e estruturas formais consagradas, e poéticas experimentais mais abertas que desafiam a autoridade – e o conforto – da tradição, por exemplo, é apenas um dos aspectos contidos nos debates que envolvem a ideia de liberdade. Estão aí implicadas a função e a presença histórico-social da música em relação a seu tempo, na defesa e na manutenção de um espaço para o questionamento de valores e parâmetros tais como como identidade e esfacelamento de contornos, estabilidade e impermanência, familiaridade e estranhamento, e univocidade e ambiguidade, entre outros.
O repertório selecionado para os cinco concertos propõe, por isso, diferentes maneiras de revisitar a ontológica busca de um sempre provisório equilíbrio entre liberdade e limite. A necessidade de inteligibilidade de uma obra, a maleabilidade da escuta criativa – tanto do intérprete quanto do público, a autonomia do performer em relação ao texto musical e às suas determinantes históricas, o diálogo e as relações de continuidade e descontinuidade entre poéticas composicionais de diferentes períodos são alguns dos pavimentos sobre os quais os caminhos dos cinco concertos se constroem, entrelaçando-se e convidando-nos a percorrê-los de forma multidirecional.
Para que o exercício dessa fruição lúdico-criativa possa acontecer e afaste o risco do “valetudismo”, que nos arrasta para o abismo da incomunicabilidade, cada um dos programas tem, como portal de entrada, uma pequena abertura executada ao piano. À maneira de uma estrutura rizomática, cuja semente é o tema liberdade, essas aberturas unem todos os concertos em um arco perceptivo-temporal mais amplo, preservando e iluminando, ao mesmo tempo, a orientação poética específica de cada um dos programas. Nesse sentido, são realçadas características tanto histórico-estilísticas de cada formação camerística quanto suas contribuições às demandas da contemporaneidade.
A tradição e as metamorfoses da escrita virtuosística para trio de cordas com piano e para trio de palhetas são apresentadas por obras em que diferentes concepções de equilíbrio entre polifonia e protagonismo ora se alternam e ora se fundem para criar texturas singulares e fusões timbrísticas.
A presença do canto na programação, por sua vez, reaviva um eterno debate que vive e se renova em seu desassossego: o conteúdo semântico de uma canção cercearia a voz em seus anseios de liberdade ou, ao contrário, potencializaria sua capacidade de interferência no mundo das nomeações que se julgam unívocas?
As sonoridades tão familiarmente brasileiras do duo flauta e violão, e do piano solo, mobilizam as fronteiras existentes entre memória e assombro, em um diálogo entre convenções idiomáticas e inovação, no qual desdobramentos múltiplos de suas identidades reverenciam e recriam suas histórias sonoras.
Esperamos que você, ouvinte-participante desta edição do Festival de Música do Espírito Santo, aproveite esses encontros para fortalecer suas escutas do mundo e para tornar a música uma companheira inspiradora de experiências de liberdade.
Yara Caznok
Editorial do patrocinador

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A Shell contribui para a preservação e valorização da música brasileira, e por isso se uniu mais um ano ao Festival de Música Erudita do Espírito Santo como patrocinador master, para que, juntos, possamos dar visibilidade à nova música de concerto e à criação de óperas brasileiras originais. Mais do que promover cultura, reafirmamos nosso compromisso com a sociedade brasileira e com todas as vozes que fazem a sua riqueza.